domingo, 14 de junho de 2009

Crônicas Cariocas

NOITE



Foi uma semana atípica, estranha semana. Como não poderia deixar de ser, começou na segunda-feira – não falo da semana, o que é evidente, refiro-me às coisas estranhas que eu precipitei. Durante toda semana fui fazendo coisas, fui fazendo.
Roubei no jogo, faltei com respeito, dirigi bêbado, criei discórdia, falei mal, prejulguei, fiz intrigas, faltei com a palavra, não cumpri promessas, distorci os fatos, dei chumbinho aos pombos e incentivei os ratos, magoei minha mãe, briguei em bar, desiludi, iludi, trapaceei, esnobei o olhar carinhoso, ri da desgraça alheia, cheguei atrasado, não fui, não estendi a mão, chutei ebó na encruzilhada, fingi que cochilava para não dar meu lugar no ônibus ao deficiente, passei na frente de idoso, chutei castelos de areia, não separei briga de menino, ignorei amigos, enchi a cara, enchi o saco, deixei lixo na praia, sai sem pagar, falei mal da cidade como agrada a paulista, torci contra como adoram os flamenguistas, resmunguei de tudo, impliquei, fui avaro, traí, menti, me entediei do desabafo, contei o fim do filme. Fui blasé com tudo.
Meu melhor amigo aproximou-se receoso, temendo um destrato:
- O que está havendo com você, amigo; por que está agindo assim?
No final do último som da interrogação, olhei-o com um olhar fulminante, fiquei por alguns segundos em silêncio, objetivando torturá-lo – ainda era sexta-feira – e respondi dando-lhe um fora:
- Vá perguntar a minha namorada, a bandida que me abandonou; ela sim é a verdadeira culpada.


MADRUGADA



Penso em fazer um almanaque, daqueles que nem da minha época são. Posso pesquisar na Internet... Juntar palavras e imagens, figuras... Como eu queria saber desenhar, como invejo os cartunistas; podem unir palavras e figuras pra a idéia ficar completa e assumir corpo físico além das letras.
Tenho que comprar uma carrapeta para a torneira do banheiro... Tenho que comprar um colchão novo, este tá me matando... Aposto que vão dizer as coisas de sempre na reunião amanhã; que saco.
Como é mesmo aquela música... Apelo do Vinícius... Não... Porra, esqueci de tomar o remédio pro estômago... Tenho que pintar este apartamento; semana que vem eu pinto.
Logo agora... Não dá mais tempo; tenho que levantar; merda...



MANHÃ



Fazer qualquer coisa por ela, fazer tudo. O “tudo por ela” sempre me soou com sentido limitado, principalmente pelo tamanho da palavra “tudo” e por esta palavra ter um sentido um tanto vago; hoje, contudo, posso compreender o verdadeiro sentido da palavra “tudo”; a idéia que resume o infinito. Agora entendo o que querem dizer as pessoas que dizem que fazem tudo por alguém; daí imaginei um resumo para a palavra “tudo”. Algumas coisas contidas no “tudo”, que eu faria pra ela voltar.
Pra ela voltar eu faria tudo: Cortaria um dobrado, pagaria promessa, viraria “o branco mais preto do Brasil na linha direta de Xangô; sarava!”; mudaria de emprego, faria dívidas, pagaria o mico o quanto o mico estivesse cobrando, faria “promessa até pra Oxumaré de subir a pé o Redentor”; passaria aperto, comeria o pão amassado pelo diabo, acompanharia a insônia dela nas sessões em sua sala sem pregar os olhos, lhe daria o meu quinhão no prato empurrando com meu focinho de vira-lata meu pedaço pra perto dela; mudaria o visual, me ligava na parada, mandaria papo reto, falaria no pé; faria curso de dança, não lhe daria descanso, freqüentaria academia, perderia a barriga, ficaria sarado; faria culinária, faria mestrado, segurava a barra; me agradaria com muvuca, ouviria música muito alta, comeria quiabo; poria a mão no fogo, pagava o pato, agiria “duas vezes antes de pensar”, deixaria barato; perderia a linha, sairia do trilho, morderia a isca, dormiria no ponto, seguiria conselhos; faria dela “minha história, meu segredo, minha igreja, minha fé; minha escola, meu enredo, meu cigarro, meu café”; a levaria de táxi no mesmo dia à Lagoa, à Vista Chinesa, ao Pão-de-Açúcar, à Pedra da Gávea, ao Cristo, só pra ela escolher onde queria ir naquele dia; seguiria horóscopo, deixaria cigana ler minha mão, tomaria decisões segundo os búzios; me deixaria levar, compraria o barulho, bancaria o babaca – não completamente, porque nenhuma boa mulher gosta de um homem babaca por completo -; venderia minha casa e tudo o que tenho para fazer uma plástica e ficar um pouco parecido com o George Clooney, só pra agradá-la.
Este é só um resumo do que eu faria pra ela voltar, o problema seria se ela com tudo isso não voltasse. Eu acabaria por ser uma espécie de clone desabrigado do George Clooney.

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