segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Bichos de Estimação

BICHOS
DE
ESTIMAÇÃO






BONAPARTE
&
REX



A maioria das pessoas tem ou já teve algum bicho de estimação, inspirado no meu atual bicho, resolvi escrever sobre todos os bichos que já tive.
Meus primeiros bichos de estimação não fugiram a obviedade: um vira-lata e um pintinho de feira. O cão veio quase ao mesmo tempo em que minha irmã e eu ganhamos um pintinho cada; não demorou muito o pintinho da minha irmã morreu – hoje tenho a firme certeza de que mesmo se não fosse o pintinho da minha irmã que fosse levado pela morte prematura, sempre teria sido o dela.
Meu pai construiu um viveiro para a ave afim de preservá-la das estripulias do filhote de cão, mas, eu, vez ou outra, deixava a ave solta no quintal onde ela exercitava as asas e o canto que naquela época destoava entre o grave e o agudo como é característico aos jovens quando entram na puberdade.
O pintinho virou um belo galo branco de peitoral imponente, vistosa crista vermelha e esporas respeitáveis; não se chamava Bonaparte naquele tempo, não tinha nome. Batizei-o de Bonaparte recentemente, pois quando lembro da imagem do galo, qualquer coisa me faz associar sua lembrança a lembrança da imagem de Napoleão.
Coisa pitoresca eram os encontros de Rex com Bonaparte, ante as investidas do cachorro o galo pulava impulsionado pelas asas e acertava o cão com as esporas; para o Rex se tornou uma questão de honra dar uma bocada no galo e para Bonaparte parecia que apenas estava utilizando o cachorro como sparing para treinar briga-de-galo. Na maioria das vezes Bonaparte vencia e sempre no final das batalhas literalmente cantava de galo, mas quando Rex conseguia uma vingança eu intercedia imediatamente, sendo assim, o galo sempre cantava sentindo-se vitorioso.
Um dia estranhei por não ter ouvido o galo que cantava todas as manhãs, corri para o quintal e ele não estava em seu viveiro; chorando, indaguei a meu pai sobre o que ocorrera e ele me explicou que Bonaparte tinha vivido bastante, que já estava velho e que havia morrido naquela madrugada. Chorei a morte do meu galo, até o Rex passou alguns dias abatido sentindo a falta de Bonaparte; mas, o que mais me impressionou foram as condolências prestadas pelos colegas de botequim de meu pai que falavam com saudosismo: “bom galo, aquele”, “até que rendeu bastante”. E assim, erguiam brindes em homenagem a Bonaparte.








GEREBALDO PIQUINHA





Tive um rato branco doado pelo meu amigo Flávio, ele o chamava de Zezinho, mas eu o rebatizei para Gerebaldo Piquinha; junto com o rato veio sua casa, uma gaiola que para seu tamanho poderia ser considerada uma mansão. Quem não gostou muito da idéia de ter um rato em casa foram minha mãe e minha irmã, quem adorou a idéia foi a mãe do Flávio.
Gerebaldo Piquinha era tratado como um rei, rato rei que roia rindo queijo do reino e a roupa do rei de Roma; tinha do bom e do melhor, queijos e vinhos quase todos os dias.
Um dia a terrível surpresa destroçou meu coração. Meu rato estava flertando com um rato plebeu, do povo mesmo, dentro da minha própria casa. O Mus musculos brevirostres adentrava todas as noites meu lar para trocar cheiradas carinhosas com meu rato; mas o pior de tudo, o mais estarrecedor é que o camundongo intruso - por seu comportamento assustado, mas, expansivo, ante o comportamento constrangido e tremendamente encabulado de meu rato que de branco ficou rosa –, me fez ver que meu rato era, de fato, uma rata.
Gerebaldo Piquinha perdeu o nome e a personalidade conseqüentemente. Estava demasiado decepcionado com seu comportamento para perdoá-la, então, numa atitude extrema expulsei de casa “aquela uma”, juntamente com o namorado proletário e nunca mais voltamos a nos falar.
Não lembro o motivo de não ter me livrado da gaiola que abrigava aquela... Rata, só sei que num futuro próximo agradeceria ter ignorado as ordens de minha mãe para me livrar do objeto que serviria de lar para um dos bichos pelo qual mais me afeiçoei.

P.S. Lembro-me agora o motivo de não ter jogado a imensa gaiola fora: preguiça.











MARIA RUFINA



Estava no Exército, existia uma área que nós patrulhávamos chamada Gericinó; era uma área militar e por isto, a boa conservação ambiental era uma das características daquela região. Sempre avistávamos animais como cobras, lagartos, pequenos mamíferos e incontáveis variedades de pássaros; havia um soldado metido a caçar, no que era apoiado por alguns sargentos retardados. Uma vez, eu não tinha ido com a patrulha, o tal soldado chegou no alojamento com uma ninhada de corujas-do-campo (corujinha-buraqueira) oferecendo o produto da ignorância para quem quisesse, várias pessoas começaram a pegar os pássaros assustados, então eu ouvi de uma delas: - “hoje mesmo vou comprar alpiste pra ela”. A frase me lançou no meio da aglomeração que se formara e sem ter qualquer dúvida peguei um dos animais pensando: “uma eu salvo!”.
Desde a infância sempre achei que bicho é pra viver solto, em seu ambiente; principalmente os pássaros, sempre achei que pássaro preso é o maior símbolo da tirania humana contra os outros animais; mas, nem eu, nem aquela pequenina coruja tivemos opção.
E lá fui eu pra casa com aquela Speotyto Cunicularia Grallaria, pra não chamá-la assim, eu achei que seria muito pomposo, chamei-a de Maria Rufina.
Até que a minha mãe reagiu bem, minha irmã adorou e tentou arbitrariamente mudar seu nome para “Amore”, evidente que a coruja não gostou. Coloquei-a no antigo lar do animal ingrato do qual não quero lembranças e assim começou um jogo de paciência.
Longe de seu hábitat natural Maria Rufina negava-se a comer, os pedacinhos de carne que eu deixava no poleiro e no chão da gaiola ficavam intocados até não serem bons para o consumo; foi assim por dias. Comecei a pensar que não conseguiria cumprir a promessa de salvá-la, a corujinha começava a ficar debilitada.
Guiado pelo meu instinto aviário, peguei a ave na mão e forcei-a a comer dando-lhe o alimento no bico, ela pegava a carne e aproveitava para me bicar dolorosamente; após um tempo ela começou a comer a comida que eu deixava na gaiola.
Como não podia deixar de ser, sempre que possível soltava Maria Rufina para ela explorar o apartamento “livremente”, ela adorava pousar nas nossas cabeças, passava horas empoleirada na minha cabeça enquanto eu lia, divertia-se, ou acarinhava-me limpando os fios de meu cabelo como fazia com suas penas; eu só não gostava quando ela resolvia fazer cocô em mim. Curiosa era a reação dela com a presença de algumas pessoas, sobre tudo de crianças; ela grasnava, eriçava as penas, abria as asas ameaçadoramente para parecer maior e partia para o ataque visando a cabeça e os tornozelos.
Nossa amizade foi crescendo com o tempo, contudo, eu sabia desde o começo que cedo eu a devolveria ao seu verdadeiro lar, por isto, comecei a ensiná-la a caçar.
Por coincidência, minha irmã tinha um ratinho de palha revestido com feltro vermelho do tamanho de um camundongo no qual eu amarrava no focinho uma linha fina de costura e, escondido, puxava rapidamente para reproduzir a correria do pequeno mamífero.
Os instintos de Maria Rufina estavam lá, intactos, escritos determinantemente em seu DNA, na primeira experiência com o ratinho artificial seu vôo de predadora traçou a trajetória inequívoca e suas garras o destino natural. Fiquei tão orgulhoso como qualquer pai diante do êxito do filho.
Para o treino de caça ficar mais real, deixei de alimentá-la da forma tradicional – deixando comida na gaiola – e passei a colocar pedaços de bofe no dorso do ratinho de brinquedo (tenho que abrir parênteses para os açougueiros, parece que muita gente se sente compelida a dar satisfações aos açougueiros quando compram partes menos nobres dos cortes e normalmente comentam após o pedido que aquilo seria pro cachorro, pro gato... Quando eu comprava alguns gramas de bofe sempre falava que era pra minha coruja e depois imaginava os açougueiros às gargalhadas zombando e falando que aquela desculpa era nova). Foi por essa época que procurei reatar as relações com a ratinha e espalhei cartazes pelo bairro convidando ela e o marido para regressarem ao lar, se ela tivesse prole melhor ainda, tinha espaço pra todos; mas a ingrata orgulhosa não respondeu ao gesto nobre de minha parte.
Como não consegui caça mais real sentia que em breve diria adeus a Maria Rufina, iria procurar um lugar ideal e a deixaria lá apesar de saber que a separação seria difícil para ambos, mas, assim deveria ser.
Então aconteceu a tragédia. Minha irmã, que não vou xingar para não ofender a quem não teve nada a ver com o ocorrido, deixou Maria Rufina solta no apartamento - até aí sem problema, pois era normal –, só que deixou a janela aberta e não tomou conta da coruja como deveria. Quando cheguei do quartel não vi Maria Rufina. Procurei-a por vários dias, ninguém tinha visto a pobre corujinha. À noite, olhando pela janela do apartamento, acalentava a falsa esperança de Maria Rufina ter conseguido voar até um lugar seguro, mas sabia bem que aquele tipo de ave tinha o vôo curto, portanto, sabia que tinha falhado no cumprimento da promessa que fiz de salvá-la. Perdão Maria Rufina!
Quanto a minha irmã até hoje quando penso nela lembro daquela rata #+->**@.



CRIOULA
&
THEDABARA





A Crioula foi parar lá na casa de Anchieta bem pequenininha, levada por um ex-cunhado – ex-cunhado pode parecer repetição, mas é outro -, ela era uma mestiça de dobermann com pastor-alemão (supôs-se), negra no dorso e amarelada no abdome, rabo e orelhas compridos, dava dica que seria uma cadela grande, e assim foi.
Era uma cadela brincalhona, nunca mordeu ninguém - fora uns ratos e gatos. Ela foi crescendo cercada de carinhos, brincadeiras e alguma dureza quando necessário.
Quando atingiu a maturidade minha mãe movida pelo interesse financeiro, arranjou o casamento da Crioula com o cachorro do vizinho (o vizinho não era um cachorro, seu cachorro é que era), era um dobermann alemão mesmo, só não era louro, mas de linhagem, tinha pedigree e retrato com família. Vieram a gravidez e os filhotes, ajudamos no parto.
Depois que os filhotes cresceram um pouco, minha mãe, evidenciando o interesse financeiro, vendeu alguns filhotes; ficamos com uma.
De orelhas e rabo podados Thedabara parecia um dobermann típico, só que tinha o dorso marrom e o abdome branco.
Era engraçado quando minha mulher, na época namorada, ia lá em casa; ela chamava do portão e eu a mandava entrar, como ela demorava, eu ia ver o que estava acontecendo e sempre deparava com ela caída no chão com a Crioula e a Thedabara em cima dela lambendo sua cara (a Crioula era bem maior que minha namorada).
Eram cães maravilhosos, mas tinham um problema; nem mãe, nem filha cuidavam da casa. Se algum ladrão quisesse invadir a casa era só jogar uma bolinha, ou duas pra facilitar ainda mais. Apesar das linhagens, não tinham o menor tino para guarda.
Uma vez cheguei de madrugada – jamais isto era costume – e entrei no quintal sem fazer alarde para testar a reação das nossas protetoras; disfarçando, andava de forma sorrateira para confundi-las e elas confusas e amedrontadas recuavam. Fiquei indignado com a atuação dos animais e me revelando dei uma lição de moral nas duas cadelas dizendo que elas não podiam agir daquela forma, afinal eram cães de guarda, deviam ser ameaçadoras, latir forte, “AU, AU, AU, AU...”; enfim, elas deviam agir como protetoras da casa, pelo menos à noite. Então fui dormir verificando se todas as portas estavam devidamente trancadas.
No outro dia enquanto tomava café e divagava sobre o fato de não termos nenhuma segurança efetiva, minha mãe veio com uma conversa descabida e logo pela manhã.
- Você anda bebendo muito!
- Eu?
- Tem mais alguém aqui?
Eu fiquei boquiaberto com o instinto materno, mas como eu já tinha vinte e poucos anos – homem formado, livre e independente -, indaguei-a sobre a injuriante afirmação e ela respondeu que eu havia chegado bêbado a noite passada. Mais indignado ainda enfrentei-a com toda embófia:


- Como a senhora pode afirmar tal ofensa, se quando eu cheguei a senhora estava dormindo...?
- Eu ouvi você ensinado cachorro a latir...























EURÍDICE




Meu ultimo bicho de estimação foi Eurídice; basicamente ela mais me escolheu do que eu a ela. Simplesmente apareceu no boxe do banheiro como se sua mãe a tivesse abandonado na minha porta (no meu boxe). Miúda, raquítica, só tinha olhos e cabeça; muito desengonçada para a espécie de bicho que era, ficava inerte ante a minha aproximação. Mas, haveria de chegar a hora do meu banho e nós dois não poderíamos ficar no mesmo lugar.
Coloquei-a pra fora do boxe com toda delicadeza já que era evidente a fragilidade daquele corpo minúsculo ainda em desenvolvimento. No outro dia ela retornou ao boxe. Coloquei-a fora do boxe quatro vezes e ela sempre retornava.
Ia dá-la de presente a minha ex-namorada, mas conclui que ela não merecia e acabei criando Eurídice eu mesmo.
Normal Eurídice não era, eu nunca gostei de ficar julgando as pessoas, mas de Eurídice eu posso falar, pois, era como uma filha. Ela nunca teve os reflexos normais da espécie, aí começam os problemas. Ela sempre voltava para o boxe, mas não conseguia sair de lá, assim sendo, limitava a possibilidade de abater uma presa, fato que acabava me obrigando a caçar por ela. Graças a minha espantosa agilidade conseguia pegar alguns mosquitos no ar sem matá-los completamente colocando-os próximos de Eurídice, mas nada. Parecia que ela tinha um certo medo das presas; variei o cardápio e nada.
Era evidente que ela queria compreensão da minha parte, mas era uma relação difícil, eu não conseguia entender aquele comportamento atípico que contradizia o comportamento de todas as lagartixas que eu conheci.
Primeiro o fato de ela querer viver no boxe do banheiro, por vezes pensava que ela pensava que fosse um jacaré; conversei longamente com ela mostrando a diferença entre as espécies. Uma vez ela não retornou ao boxe e eu pensei que a tivesse convencido com o meu argumento, mas no outro dia quando fui tomar banho lá estava ela. Morar no boxe causava um problema danado, pode parecer antiquado, mas eu não achava certo ficar nu na frente de Eurídice, tem gente que vai achar careta, que o nu faz parte de uma educação sexual infantil, etc..., mas devo confessar que ainda não estou preparado para esta situação e além do mais, mantê-la fora do boxe visava preservá-la da água e fazia parte de sua terapia que visava a ruptura da idéia fixa que tinha, de ser um jacaré.
Outra coisa que me fazia perder noites de sono era a preocupação que tinha com o fato de que como ela se comportava mal na infância, na adolescência certamente eu teria maiores problemas. Ela queria ser independente, mas eu que a alimentava; ela tomava decisões unilateralmente, mas morava em minha casa. Tomei a decisão de ensinar-lhe com mais rigidez, ternamente, lógico, mas de uma forma que ela pudesse tomar consciência de que independência exige responsabilidade, sacrifício, conquista e que quando dois seres vivem junto, independente do vínculo familiar onde se insiram, as decisões importantes que se tomam devem ser no mínimo comunicadas.



Um dia, observando Eurídice, notei que ela movia-se de forma estranha e entendi que precisava ter mais paciência com ela, mas continuaria evitando que ela ficasse no boxe durante meu banho e naquela noite a coloquei na cozinha. No outro dia, ela estava de volta onde teimava em ficar, mas estava morta.
Eurídice morreu afogada em uma pequena poça que se formara devido a algumas gotas que estranhamente caíram do chuveiro durante a madrugada. Não entendi por que ela simplesmente não se afastou para um canto quando as gotas começaram a cair. Parecia que buscava conscientemente aquele precoce fim, parecia uma forma de suicídio, de libertação dos problemas que devia ter e que provavelmente eu ignorava. Talvez tenha se matado por não suportar o abandono que a mãe lhe impusera, talvez pela distância entre as nossas espécies não conseguia me ver como família e não suportou a solidão...
Pode não ter sido suicídio, mas uma fatalidade, morrera por ser teimosa e não ouvir meus alertas; morrera pela inexperiência com a vida e por achar que nada podia acontecer com ela imbuída pela prepotência dos jovens. “Eu que sei”, “a vida é minha”, “ha-ha-ha”. E lá se foi de peito aberto cheia de arrogância buscando a vida sem perceber que a vida traz a morte em seu calcanhar.
Todos os animais de estimação que tive me ensinaram muito, acima de tudo, ensinaram-me a pensar que se dois seres de espécies completamente diferentes conseguem desenvolver laços de amizade, carinho, compreensão, amor; não seria utopia supor que o Homo-Sapiens consiga a mesma coisa entre si, a começar pelos vizinhos, pelo bairro, pela cidade, pelo mundo.